sexta-feira, 1 de maio de 2009

Propósito

(Sempre gostei daqueles romances antigos em que, no início de cada capítulo, havia um longo texto, de muitas linhas, que não me lembro se era mesmo o “título” do capítulo, se era um “resumo” do que se ia passar no mesmo. Em seis ou sete frases, o Autor antecipava o que depois nos ia dizer em formato mais detalhado - e por vezes, nem muito mais detalhado… Para efeitos do que se segue, vou chamar-lhe Propósito”.)
Este Blog existe por um conjunto de razões e para procurar endereçar um conjunto de objectivos. Se contribuir para materializar, nem que seja uma ínfima parte deles, já darei o tempo por bem usado. E quem me ler – se alguém me ler – sabe de antemão como que pode contar.

Quero articular questões locais (nacionais) com questões globais, que interessam à humanidade.

Quero mostrar que Portugal tem sido, pelo menos a partir de certa altura, mas já há vários séculos, uma ficção, uma fraude e um roubo generalizado de quem pode em desfavor de quem não pode. Mas o que se passa na nossa caverna de Platão, no fundo, não é completamente diferente do que se passa lá fora. O mesmo, mas fantasmagorizado - nuns casos agravado (como a crise), noutro ridicularizado, anedotizado, e também agravado, como na corrupção - ligeiramente menos gritante que em Angola, mas lá próximo…

Em todos os países existe corrupção, mas em quase todos se "tenta disfarçar", se faz corrupção com “elegância” e de forma “envergonhada”. E acha-se legítimo - e em verdade sua obrigação - que os media e os poderes investiguem, previnam e combatam a corrupção. Essa seria a corrupção que se faria cá, se as propostas do Cravinho tivessem sido, primeiro, aprovadas, e depois aprofundadas. Que não se perceba que cada um dos partidos e indivíduos que rejeitaram tais propostas só pode pretender fazer corrupção (ou facilitá-la a parentes, amigos ou correlegionários), sem correr esses riscos e ser perseguido faz-me grande confusão…

Trata-se pois cá no burgo de um “é fartar vilanagem”, que chocaria qualquer outro que não fosse português. A nós não choca, nós “percebemos”. Quem tem poder, rouba ou deixa roubar - não é mesmo para isto que serve o poder? Para criar uma res privata, que se passa aos herdeiros como se fora honesta?

Mas a questão global também existe. Em muitos planos está tudo ligado, não apenas, e talvez nem principalmente, no que alguns chamam “globalização”, embora seja mesmo, e há muito tempo, globalização. Mas por diferentes razões e contornos, acho.

Portugal pode enterrar-se sozinho e, de vez, tornar-se um país que entra em falência - mas isso em que, se nos tivéssemos apressado, poderíamos ao menos ter sido originais, agora já nem originais seremos… Aliás essa é outra característica nacional – a completa ausência de originalidade. E o medo de correr riscos, excepto os necessários para roubar o máximo que cada “figura”, cada “famoso”, conseguir, no tempo em que “estiver na ribalta” – ou logo a seguir a isso - e por tanto tempo quanto for possível…

Portugal pode enterrar-se sozinho, dizia – e já estava aliás a fazê-lo alegremente, mas não pode desenterrar-se sozinho. Os problemas que enfrenta são do mesmo tipo dos que enfrenta toda a sociedade ocidental, mas agravados.

No ciclo de evoluções e revoluções de que a história tem sido feita (e também, segundo Khun, a história da ciência), nesta terceira vaga civilizacional, de que falava Tofler, uma grande corte epistemológico é necessário, uma profunda mudança de paradigma, a construção de um novo "modelo civilizacional" do tipo dos que Alberoni analisou, em "Génese".

E essa mudança só pode ser global. Pode haver – e está a haver - experiências locais precursoras, bem entendido; mas só quando tiverem massa crítica global podem transformar o estado das coisas. Das coisas reais, digo, e não das ideias sobre as coisas. Das coisas sérias e concretas e não das “questões fracturantes” (ou tal chamadas, pois pouco “fracturam”).

A democracia é o tal regime que é muito mau, mas os outros são piores. E com Salazares perto e Stalines ali ao virar da esquina, temos obrigação de saber uma parte disso. A outra é assim: a democracia representativa era o melhor solução possível durante um certo período. Hoje é uma coisa arcaica e que pode e deve ser ultrapassada com carácter de urgência. Ultrapassá-la é a nossa missão (de seres humanos que vivemos nesta era) e estamos a falhá-la miseravelmente!

Hoje não é possível mais ocultar o que Marx viu como ninguém: "as eleições são o momneto em que as classe dominadas escolhem os representantes das classes dominantes que os irão explorar no próximo período"…. E para o que ele propôs a única solução que, no seu tempo, parecia fazer sentido: contra uma pseudo-democracia dos que sempre dominaram, uma ditadura, mas da maioria. Parecia fazer todo o sentido. E era mesmo a única coisa concebível. Mas não fez sentido nenhum. E hoje há outras coisas concebíveis e possíveis. Descobrir quais são e como as criar é o nosso desafio. Exige-se pois um programa e uma revolução.

(Cabe aliás dizer que contra os que clamam a "morte de Marx", seria preciso redescobrir o “valor actual do marxismo”: o que Marx pensaria (ou alguém como ele, ou como um Ghandhi, ou um Martin Luther King, ou talvez mesmo o Jesus que visitou o templo - mas não o outro de quem se fala mais e que deu origem á Igreja) pensaria(m) se vivesse(m) hoje.

A não confundir pois com os que dizem que “Marx é actual” e reproduzem hoje o que ele disse antes, como se ainda fizesse algum sentido. Esses que fazem tanto mal ao “pensamento de Marx” como os cristãos vêm fazendo durante 20 séculos ao “pensamento de Cristo” - embora este seja mais difícil de perceber, pois não escreveu, “nem consta que tivesse biblioteca”).

Mas o que será hoje uma “revolução” faz parte do que terá de se perceber. Como perceber que a maior integração do mundo, e dos poderes do mesmo, torna as revoluções tradicionias quase impossíveis, pelo menos se o seu modelo for “os oprimidos pegam em armas e derrubam as classes dominantes”.

A revolução vai ser outra coisa. Se conseguirmos perceber o que será. E se a conseguirmos fazer. E se conseguirmos chegar vivos ao momento de a fazer. Digo, se nessa altura ainda se conseguir sobreviver neste planeta, que destruímos todos os dias alegremente.

Mas como isso é global, e o global se constrói a partir do local, temos antes de pensar no local.

E vivemos num país em que há contornos de catástrofe. Que devíamos ter percebido mais cedo, mas não percebemos e vamos ver se não será já demasiado tarde...

Os portugueses gostam de ser dirigidos “com autoridade”. O Marquês de Pombal é um ídolo. Salazar outro, embora para menos gente. Uma figura tão autoritária como ele, liderava a oposição – refiro-me a Cunhal. E depois tivemos Cavaco. E agora temos um Sócrates (uma vergonha que um nome tão digno e prestigiado se aplique também a este, mas possivelmente no resto do mundo Sócrates é o outro – aliás este não aceitaria suicidar-se se o estado o condenasse. Nem sequer retirar-se. Lutaria até ao fim, cada vez com mais veemência. Que aliás é o que está a fazer… E teria o apoios de todos os que vão roubar à custa de terem umas migalhas de poder (político ou financeiro; nacional, regional ou local) e umas "percentagens" das obras sumptuosas que um país à beira da ruína planeia fazer).

Estou a falar de perfis psicológicos, bem entendido, não das ideologias proclamadas, que aliás são muito parecidas, e para o caso é o que menos interessa, pois todos servem os mesmo interesses, só mudando a fraseologia. (bom, o Cunhal não servia bem os mesmos interesses, mas de os de outros que também queriam dominar o mundo nos planos militar, político e económico – e bastante roubaram e destruíram na sua “esfera de influência”. Mas desses não vale a pena falar de momento, pois foram os derrotados).

Mas Sócrates - como me repugna chamar-lhe assim, mas parece que foi assim que o pai lhe chamou – tem esse mesmo perfil autoritário de um Salazar, e mais até do que Cavaco, que também andava lá perto. Mas com maior demagogia. E com meios mais eficazes de controlo dos media e do poder que o macro-estado lhe dá.

Devíamos ter todos percebido isso, quando a Directora da DREN , não foi afastada, mas mantida, defendida e até passou a ter “tempo de antena” na televisão pública (entenda-se da televisão privada, dos que dominam a coisa pública. Se é que me entendem. Assim como um “Jornal da Madeira”, mas a nível nacional e televisionado com marca "RTP 1").

Desde o 25/Abril nunca houve em Portugal nada tão parecido com o fascismo como há agora. E até António Quadros já tem um substítuto à altura, que dá pelo nome de Santos Silva.

E ninguém parece perceber isto, porque isto agora não se chama “corporativismo” mas “socialismo”. Mas o nacional-socialismo, convém não esquecer, também usava o socialismo no nome. E o "socialismo esquemático" de que falava Pepetela, foi o precursor, em Angola, do que agora lá se passa (e os "esquemas" foram uma coisa que lá introduzimos, aliás, pois é uma "especialidade" nacional). E o social-imperialismo e social-fascismo também, como Durão teria dito melhor do que eu, no tempo em que a melhor defesa dos interesses americanos passava pelo MRPP e não pelo PSD, pela cimeira da Madeira, ou pela presidência da Comissão Europeia – daí aliás ele ter feito tão descarada vassalagem ao seu novo “chefe” - pelo menos espiritual, se não mais do que isso…).

E acontece que a dívida que vamos passar aos nossos herdeiros para permitir o roubo generalizado de uma grande camarilha de poderosos: agentes políticos do bloco central de interesses e dos partidos que "alternam" no poder (nacional, regional e local) e dirigentes de empresas, numa coligação que envergonharia Salazar, pois perceberia que, afinal, era um actor menos hábil do mesmo argumento), a dívida, dizia, poderá agora aumentar com mais as tais obras sumptuosas, que aparecem publicamente justificadas para “criar emprego”, mas são de facto justificadas porque cada obra sumptuosa permite a alguns embolsarem muito dinheiro (como Angola nos pode ensinar e tantos lá vão agora fazer visitas e "estágios" para aprender, ou trazem cá o ladrão-mor (do mundo?) para que os ensine melhor...).

Tal com o Brasil em certo momento, dizia o Buarque, ainda poderia “tornar-se num imenso Portugal”, Portugal está cada vez mais a tornar-se uma “pequena Angola”. O roubo generalizado, vindo, alegadamente, do mais alto da cadeia do estado e prolongando-se por muitos baronetes, assessores, funcionários, etc., etc.

(Uma justificação para o seguinte: na frase anterior explicitei o “alegadamente”. Mas entenda-se que tudo o que eu digo é “alegadamente”. Não pretendo injuriar ninguém, ou caluniar ninguém. E entendo que todas as pessoas podem ter (alegadamente?) a presunção de inocência até serem condenadas em tribunal (aliás, por juízes que são outro pé do mesmo poder, mas enfim...). Não pretendo sequer presumir que o que eu coloco como “hipóteses” seja "verdade" em todos os casos – ou mesmo em algum. Daí o “alegadamente”.

Mas afirmo
(e isto sem qualquer “alegadamente”) que em qualquer verdadeira democracia (mesmo apenas representativa) todos os (actuais ou antigos) titulares de lugares públicos (eleitos ou funcionários) devem ter total transparência e que o estado, os media e qualquer “simples cidadão” têm o direito (e o dever cívico) de fiscalizar tudo isso com o máximo rigor, e ninguém pode ser atacado ou criticado por estar fazer o que é seu dever cívico.

Mais afirmo que é obrigação dos titulares de lugares públicos fazerem disclaimer pronto e completo de tudo o que lhes respeita ou a familiares e amigos. E que quem, por omissão, não cumpre (ou nem sequer aprova leis neste sentido), e não respeita minimamente o que antes se chamava “ética republicana”, está violar obrigações cívicas elementares e, só por isso, deveria ter vergonha e no mínimo retirar-se (até porque o hara-kiri não está, infelizmente nalguns casos, nos hábitos nacionais). E que pessoas honestas que ocupam lugares públicos, que as há, deviam ter a decência de, senão denunciar, ao menos não dar cobertura a certas coisas.

E também afirmo que quem, sendo titular de lugares públicos, procede por acção ou omissão no sentido do que disse acima, já violou o “contrato com a república” que implicitamente fez ao aceitar tais lugares; já está, só por isso, em violação e já está numa posição ilegítima (mesmo que não ilegal). E mais afirmo que quem faz leis iníquas (quem não percebe, p. ex., que a corrupção de titulares de lugares públicos não deve prescrever nunca) já cometeu uma violação séria dos seus deveres cívicos. A qual é agravada se ainda persegue quem tenta investigar “alegadas” violações. Fim do parêntesis)

Eis outras coisas de que aqui se falará, quando houver tempo:

De como é que as “mordomias” (como usar um Falcon para viagens privadas ou o carro ou motorista pago pelos cidadão para fins privados - ou partidários) são a base de sustentação da corrupção, e são já uma sua, ainda mitigada, manifestação.

De porque é que os carros que se conduzem em Portugal têm maior luxo que os de toda a Europa - no país mais pobre da dita (lembram-se?).

De como um “bom chefe de família” não vive acima das suas posses, quando os filhos passam fome (seja a família a sua, própria, seja, figurativamente, a autarquia, região ou país que deve não apenas “dirigir” mas principalmente representar).

De que quando meia dúzia de marginais de reúnem para roubar coisas privadas, se fala de “associação de malfeitores”, mas quando de juntam para usarem os bens públicos em usufruto privado, e para, sempre que possível, transformar com carácter definitivo essa res publica em res privata não se fala, como deveria de "associação de malfeitores com culpas agravadas” mas sim de… (não me lembro agora..., falta-me agora o termo..., eu depois devo vir a lembrar-me... Vocês lembram-se?...)

E falar-se-á ainda de muito mais que nem agora imagino(am)! Se, e enquanto, me deixarem, é claro.

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